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IR sobre investimentos de pessoas jurídicas
Para se compreender o que está em jogo, conceitos inerentes ao Imposto sobre a Renda (IR) devem ser esclarecidos.
Com a Constituição Federal de 1988, a competência das cortes superiores, que têm a missão de pacificar a jurisprudência dos tribunais, foi repartida entre Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao Supremo coube dirimir problemas de ordem constitucional e ao STJ harmonizar conflitos sobre a legislação federal. A separação teve o mérito de especializar funções, mas não sem efeitos colaterais: o direito, sendo um sistema unitário, não admite interpretações isoladas.
Como resultado, o Supremo Tribunal Federal deixa de se pronunciar sobre casos que exigem análise de normas inferiores à Constituição, ainda que de relevância constitucional, ao passo que o STJ empreende julgamentos focando a legislação federal sem preocupação com princípios do texto constitucional. Exemplo que retrata esse último fator é o julgamento proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp 939.527-MG, em 24/6/2009), que pacificou a legalidade da tributação isolada e autônoma do Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos auferidos pelas pessoas jurídicas em aplicações financeiras de renda fixa e sobre ganhos líquidos em operações nas bolsas de valores de mercadorias, de futuros e assemelhados, à luz dos artigos 29 e 36 da Lei nº8.541, de 1992.
Para se compreender o que está em jogo, conceitos inerentes ao Imposto sobre a Renda (IR) devem ser esclarecidos. Segundo o artigo 153 da Constituição Federal, o tributo deve ser cobrado sobre a renda, que é o ganho patrimonial auferido pelo contribuinte em um espaço de tempo. É grandeza calculada pela diferença de elementos positivos (receitas) e negativos (despesas), obtidos pelo contribuinte no período previsto pela legislação, trimestral ou anual.
Vale lembrar que quatro princípios informam a natureza do IR, dando, digamos assim, sua "cara". O primeiro é a universalidade, implicando a ideia de que todos os rendimentos obtidos devem compor a base de cálculo do tributo. O segundo é o da generalidade, exigindo que todos os contribuintes que aufiram renda sejam submetidos à tributação. Ainda, pela progressividade, as alíquotas do IR serão majoradas à medida que a renda obtida cresça. Por fim, a pessoalidade, nitidamente relacionada com a progressividade, determina que se deva levar em conta os traços peculiares do contribuinte.
Conclusão que se infere desses princípios é que renda não se confunde com rendimento. Rendimento é ganho econômico isolado do sujeito passivo. Renda é o ganho que implica a variação positiva do patrimônio do sujeito passivo, em determinado período. Se a renda é informada pela universalidade, envolvendo a ideia de unidade, não se pode equiparar um rendimento isolado à renda. É a renda, e não o rendimento, que a Constituição autoriza a União a tributar pelo IR.
Mesmo assim, em 1992 foi instituída pela Lei nº 8.541, o IR, abrangendo ganhos líquidos em operações nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, além da retenção exclusiva na fonte sobre investimentos em renda fixa. A tributação independe do prejuízo ou lucro obtido pela pessoa jurídica no término do período de apuração.
Apesar da designação, foi criado um "imposto sobre o rendimento", sem autorização constitucional, já que sem previsão no artigo 153 da Constituição Federal, que enumera os impostos a serem criados pela União, em sua competência ordinária. Sua validade é questionável.
Tanto que, a partir de 2000, o STJ teve de enfrentar as primeiras contestações sobre a cobrança e rejeitou as argumentações firmadas em princípios constitucionais. Na época, e o exemplo aqui citado diz respeito ao recurso especial 389485/PR, o STJ entendeu que não seria competente para examinar aspectos constitucionais do Imposto de Renda, limitando sua análise aos artigos 43 e 44 do Código Tributário Nacional (CTN), cuja leitura isolada não permitiria distinguir a renda do rendimento.
Deve-se apontar que o CTN situa-se abaixo da Constituição e deveria apenas servir de norte, sem desvirtuar o texto constitucional. Ocorre que o regramento dado pelo Código é incompleto, deixando de mencionar princípios elementares do Imposto de Renda, tal como a pessoalidade ou a universalidade. Sem esses princípios, qualquer exame jurídico a ser empreendido sobre a natureza do imposto é inadequado, daí por que uma análise de cunho infraconstitucional não pode ignorar as dicções constitucionais.
Com o julgamento, decisões do STJ acataram a cobrança, até que, em junho de 2009, a 1ª e 2ª Turmas reunidas na Primeira Seção do STJ pacificaram o caso, com êxito para o fisco, em flagrante desrespeito à Constituição.
Em matéria tributária, a aplicação de norma infraconstitucional sem um exame de princípios constitucionais é inadequada. Cabe refletirmos sobre o papel das cortes superiores em sua missão de pacificar os entendimentos de nossos tribunais, quando do exame de tributação.
Charles William McNaughton é mestre e professor do curso de especialização em direito tributário da PUC-SP/Cogeae e do curso de especialização em direito tributário da FAAP, sócio do Gaudêncio, McNaughton e Prado Advogados