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O ICMS dispensa a prova da repercussão
A repercussão econômica do tributo significa que o cumprimento da obrigação, através do pagamento, acarreta no plano econômico uma redução.
Repercussão ou transferência é o fenômeno pelo qual o contribuinte, mediante autorização legal, transfere, no todo ou em parte, o ônus do imposto que ele tem o dever de pagar a terceiro.
A repercussão econômica do tributo significa que o cumprimento da obrigação, através do pagamento, acarreta no plano econômico uma redução. Essa perda poderá, ou não, ser compensada através de transferências sucessivas ao longo da cadeia de circulação econômica do produto sujeito à tributação.
Geralmente, quem aciona o fenômeno da repercussão é o contribuinte de direito, que podemos definir como a pessoa que, por ato seu, faz acontecer o fato, ou a situação de fato que dá nascimento à obrigação tributária prevista em lei. É por esse motivo que tal pessoa é denominada contribuinte de direito.
Na cadeia de repercussão econômica de determinados tributos haverá sempre alguém (consumidor final), que ficará impossibilitado de se recompor do ônus gerado pelo respectivo pagamento. É nesse momento que surge a figura do contribuinte de fato, que é aquele que arca efetivamente com o ônus fiscal, quando a cadeia de circulação se esgota no consumo.
Em princípio, os tributos que geram repercussão econômica são aqueles incidentes sobre a circulação de bens e mercadorias, desde a fase da produção até a fase do consumo, quando então cessa a circulação, impossibilitando o consumidor, contribuinte de fato, de passar adiante o encargo fiscal. Esses tributos são, por excelência, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
Ao recolher o IPI ou o ICMS sobre a saída de mercadorias do estabelecimento industrial ou comercial, pode acontecer de o contribuinte, por erro de fato ou de direito, pagar imposto a mais, ou imposto que não é devido. Em tais casos, o artigo 165 e seus incisos do Código Tributário Nacional facultam a repetição do indébito, ou seja, a restituição do tributo não devido.
Em se tratando de impostos que incidem sobre a circulação e que, em tese, geram repercussão econômica, o artigo 166 do Código Tributário Nacional sempre é invocado pela autoridade administrativa, para indeferir o pedido, quando o contribuinte de direito requer a restituição ou a compensação do imposto indevido, ou pago a maior, com o imposto devido.
A priori, estribando-se no artigo 166 do Código Tributário Nacional, a autoridade administrativa parte do entendimento que o contribuinte de direito não tem condições de atender aos requisitos de comprovação do encargo exigidos pelo citado dispositivo.
O artigo 166 do CTN tem como objeto a restituição de tributos que geram repercussão econômica. Para que o contribuinte obtenha a restituição, o mencionado artigo exige que ele prove que assumiu o encargo fiscal, ou se o transferiu a terceiro que esteja autorizado por este a receber o indébito. Isso significa que, se o contribuinte de fato não for localizado, ou, se localizado, não autorizar o contribuinte de direito a repetir o indébito, a restituição será negada.
Reforçando esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal, através da Súmula nº 546, só admite a restituição do indébito, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de direito não recuperou do contribuinte de fato o "quantum" respectivo
A exigência do artigo 166 prejudica o contribuinte de direito. Isso ocorre nos casos em que a repercussão econômica deixa de ser relevante, apesar de o imposto incidir sobre a circulação. O ICMS insere-se nessa categoria.
Conforme já se antecipou, não é só a repercussão econômica que afeta a distinção entre indébito restituível e indébito não restituível. É também o regime normativo aplicável à base de cálculo do imposto.
Nesse sentido, o IPI é um tributo que requer o atendimento dos requisitos do artigo 166 do Código Tributário Nacional, porque, além de gerar repercussão econômica, ele se agrega ao preço do produto e é destacado, em separado, na nota fiscal. Diferentemente do ICMS, o IPI não integra sua própria base de cálculo, facultando ao contribuinte de direito transferir o ônus fiscal ao adquirente do produto, através do destaque em nota fiscal. Assim, quem paga o IPI não é o contribuinte de direito, e sim o contribuinte de fato, ou consumidor, que adquire a mercadoria.
Portanto, pode-se dizer que, em relação ao IPI, a comprovação do ônus da repercussão econômica é fundamental, porém o mesmo não pode ser afirmado no tocante ao ICMS.
A razão principal é que o ICMS tem a peculiaridade de ser calculado "por dentro". O artigo 13, parágrafo 1º , inciso I, da Lei Complementar nº 87, de 1996, dispondo sobre a base de cálculo do tributo, estabelece que o montante do imposto integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque, na nota fiscal, mera indicação para fins de controle.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu explicitamente essa característica do ICMS no RE 213.209-RS, em que foi relator para o acórdão o ministro Nelson Jobim. Segundo a Corte, a base de cálculo do ICMS corresponderá ao valor da operação ou prestação somado ao próprio tributo.
Em função dessa peculiaridade do ICMS, a exigência da repercussão não é tão relevante quanto no IPI, tendo em vista que o IPI é acrescido ao valor da operação, em separado da base de cálculo, enquanto que o ICMS faz parte de sua própria base de cálculo, constituindo uma unidade com ela. Dada essa distinção, é óbvio que a repercussão econômica não pode ter peso igual em ambos os tributos.
Tanto isso é verdade que o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 530090/SP, salientou que o contribuinte de direito do ICMS não precisa ser, necessariamente, aquele que suportou o ônus, para pleitear sua pretensão junto ao Poder Judiciário.
Considerando-se as características determinantes da base de cálculo do ICMS, pode-se concluir que o imposto dispensa a prova da repercussão, uma vez que é o contribuinte de direito que suporta o encargo fiscal, já que o tributo integra sua própria base de cálculo, inexistindo, a contrário senso do que ocorre com o IPI, a possibilidade de transferência desse ônus para terceiro.
Maria Lucia Américo dos Reis e José Cassiano Borges são advogados tributaristas, sócios do escritório Costa Borges & Reis Advogados, do Rio de Janeiro